No dia 8 de Abril deste ano, o semanário angolano Novo Jornal publicou uma matéria no seu site sobre o alegado “silêncio do Governo” no diálogo com as Associações de Taxistas face à possibilidade de uma subida do preço dos combustíveis após a retirada da subvenção aos taxistas, que estava inicialmente marcada para o dia 30 de Abril, conforme um despacho presidencial. Por: Firmo Monteiro
A referida matéria, com o título “Taxistas preocupados com silêncio do Governo a 22 dias do fim da subvenção – ‘ Azuis e brancos’ temem nova subida da gasolina e avisam que vão subir preços à revelia se o Executivo continuar a ignorá-los”, publicada numa segunda-feira, teve logo no dia seguinte uma reacção por parte do Governo, através da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
A instituição mostrou-se de imediato aberta ao diálogo com as associações de taxistas, conforme publicado pelo próprio Novo Jornal numa outra matéria do dia 10 de Abril, com o título “Taxistas garantem que preço do táxi não será superior ao do litro da gasolina –Executivo diz que não vai subir o combustível depois do dia 30 de Abril”. Segundo a nota, no encontro decorrido na terça-feira, 9, “os responsáveis da Agência Nacional dos Transportes Terrestres, do Ministério dos Transportes, disseram às associações de taxistas que não estão em silêncio e que apenas estão a trabalhar no sentido de encontrar as melhores soluções para se achar o novo tarifário para os preços dos transportes”.
Num contexto de afirmação das novas media sociais, em que vários desafios são colocados à imprensa, à rádio e à televisão, o encontro do Governo com a classe taxista em reacção a uma notícia publicada por um jornal na sua edição online, levanta a questão sobre o impacto que ainda têm os media tradicionais na construção e discussão das políticas públicas.
No livro “Políticas Públicas, Estado e Media” de Paulo Faustino e Francisco Rui Cádima, os autores portugueses referem que a generalização do uso da internet veio revolucionar o modo como consumimos e acedemos à informação, num mundo pequeno e global. Salientam a perda progressiva de influência dos media tradicionais, e o surgimento de uma nova geração de produtores de informação que transformam o consumidor passivo num participante activo.
Esta participação activa do destinatário torna a mensagem emitida pelos meios de comunicação, mais directa. Directa pela escolha mais abrangente e direccionada que têm os destinatários e pela possibilidade de avaliar a informação que lhes chega.
No nosso país, a debilidade no acesso à internet e à informação de qualidade pela população, bem como a falta de literacia digital, privilegia ainda o grande espaço dos media tradicionais no espaço mediático, não obstante a migração destes para o espaço digital, para não caírem eles próprios no esquecimento.
Neste sentido, cada media tradicional ainda tem a sua importância. A rádio é fundamental por ser flexível e ser “consumida”durante a realização de outras acções; tradicionalmente, jornais ou revistas de especialidade, por exemplo, têm grande credibilidade e alcançam um público mais crítico e qualificado; a televisão possui um alto grau de influência.
Com o aumento exponencial de alternativas, com o foco do público na internet, maioritariamente nas redes sociais, manter esta importância é o desafio. No entanto, para se responder à questão, vários factores devem ser levados em consideração.
No último estudo disponibilizado pelo Instituto Angolano de Opinião Pública e pela Marktest Angola, o “Anuário de Media e Publicidade de 2023”, a audiência de televisão esteve em torno de 49%, a audiência de Rádio em torno de 15 a 18% e a da Imprensa não mais do que 2%. Para o caso da matéria do Novo Jornal, estes dados são ainda mais relevantes se virmos que grande parte da população que não lê um jornal pode ser impactada por um jornalismo de qualidade.
Por outro lado, um relatório da Isenta Comunicação sobre os Resultados da Internet em Angola apresentou os dados de utilização digital em Angola no início deste ano:
- 14,63 milhões de utilizadores de Internet em Angola e taxa de penetração da Internet de 39,3%;
- 5 milhões de utilizadores de redes sociais, equivalente a 13,4% da população total;
- 29,2 milhões de ligações móveis celulares activas em Angola, equivalente a 78,4% da população total.
Para efeitos de perspectiva, estes números de utilizadores revelam que 22,61 milhões de pessoas em Angola não utilizavam a Internet no início de 2024,sugerindo que 60,7% da população permanecia offline no início do ano.
Contudo, estes dados do relatório da Isenta podem “sub-representar a realidade”. “A adopção e o crescimento reais podem ser superiores ao que os números aqui apresentados sugerem”, refere o relatório.
Como se pode encontrar no artigo do site “Conexão Gestão Pública”, sobre o papel da imprensa na formação da agenda de políticas públicas, existem diversos factores que interferem na formação da agenda de políticas públicas, e entre eles, há a imprensa, que notícia o contexto político, económico, cultural e social.
“A imprensa influencia a definição e a percepção de prioridades e, por consequência, altera a agenda pública”
Com base neste pressuposto, segundo o mesmo artigo, a imprensa utiliza diferentes estratégias para a efectividade da comunicação directa e, actualmente, com a utilização de vários canais, altera-se, constrói-se, retira-se e se introduz políticas públicas na agenda. A imprensa é uma grande intermediária entre poder público e sociedade civil, e as liberdades de que dispõe, de imprensa e de expressão, fomenta a criação de valores dentro do Estado democrático de direito.
A este propósito, não podemos deixar de relacionar a Teoria do Agenda Setting, imprescindível nos manuais do jornalismo desde os anos 70. Nela, Maxwell McCombs e Donald Shaw posicionam a imprensa como a responsável por pautar o que fará parte do debate público, com interferência directa na opinião pública, vista a sua capacidade de formular pensamentos colectivos.
A opinião pública é um dos mais importantes agentes na formulação da agenda política que, muitas vezes, ocorre por meio do poder de mobilização por parte da media, dada a difusão da informação. Desta forma, problemas são reconhecidos por mandatários e pela administração pública pela primeira vez. Além do mais, a media apropria-se desse “livre acesso à opinião pública” com objectivos que vão além da produção de novas demandas, tal como trazer à tona assuntos políticos que haviam ficado para trás e denunciar abusos e crimes que geram impactos profundos na sociedade.
A imprensa não é a única influenciadora na agenda, mas a sua dominância e potência de influência na sociedade e na política são notórias, podendo contribuir significativamente para o desenvolvimento de políticas públicas que dialoguem melhor com as necessidades e os problemas de uma sociedade.
Para manter a relevância, a credibilidade ainda é o principal factor diferenciador no protagonismo dos media no espaço mediático. Os media tradicionais têm um capital de credibilidade e rigor, diferente dos media digitais.
No “contexto online”, das redes sociais, qualquer notícia ou informação passa primeiro pelo “crivo” da dúvida, quer pelo formato ou pelo conteúdo, apesar de,ainda assim, ter o seu impacto e produzir “efeitos” entre os internautas. Devido a um consumo mais rápido e imediato nesse meio, indagar, analisar,comparar e investigar com objectividade e profundidade, fica para segundo plano e nem sempre se verifica um tratamento adequado da informação. Isto, claro,quando estes “novos media” não se socorrem dos principais meios (tradicionais)para a busca de informação.
No cenário actual da comunicação social angolana, a credibilidade é também um factor desafiador da realidade, visto o reduzido número de serviços jornalísticos com a imparcialidade que se espera. A falta de imparcialidade no jornalismo gera desconfiança, informação deturpada e afecta a credibilidade de jornalistas ou de órgãos.
Na transformação digital que se vive, um media credível, por mais tradicional que seja, consegue ter um efeito de réplica da mesma forma que um “influencer”. Daqui decorre que a capacidade de adaptação dos media tradicionais ao espaço digital é também crucial na manutenção da relevância. Ao se digitalizarem, eles podem difundir rapidamente nas redes sociais à mesma velocidade que um post de internet, com um efeito rápido na própria sociedade.
Deve-se ressaltar que o Novo Jornal é um caso especial da imprensa angolana. É dos poucos órgãos com capital de credibilidade e rigor cuja informação chega a pessoas que têm poder sobre a opinião pública - que têm poder de compra e acesso a círculos de poder - tendo por isso um efeito potencialmente mais impactante. Esta capacidade de permanecer assim, com rigor, é a chave para continuar a ter influência (ou não).
A credibilidade, rigor e imparcialidade que regem ou devem reger os órgãos tradicionais é poder e forma de afirmação e sobrevivência desses órgãos e meios. Conclui-se, portanto, que um jornalismo alicerçado nesses principais elementos, feito com transparência e qualidade, é prova do eco que faz, relevância que tem e impacto que cria em torno dos principais assuntos públicos.
Algumas fontes usadas
O papel da imprensa na formação da agenda de políticas públicas
Importância da mídia tradicional em tempos de redes sociais
O futuro das mídias: A revolução digital vai matar a mídia tradicional?