Era uma vez, num tempo em que os animais falavam, mas não muito distante, três porquinhos que, após a sua grande aventura com o lobo mau, se viram no centro de uma nova tempestade. Desta vez, não era o vento do lobo, mas sim o furacão das opiniões, das redes sociais, dos media, e de todos os que, de uma forma ou de outra, tinham algo a dizer e a ganhar. Por: António Páscoa
O Início do Fim da Verdade
A notícia do lobo que derrubou as casas de palha e de madeira, mas falhou na casa de tijolos, tornou-se um escândalo nacional. Os jornais rapidamente pegaram na história.
“O Lobo foi injustiçado?”, gritava a manchete na capa do Correio Selvagem. Editores, ávidos por vender mais jornais, começaram a investigar o passado do lobo. Afinal, disseram, ninguém acorda um dia e decide derrubar casas alheias. Descobriram que o lobo vinha de uma família desfavorecida, abandonado pela matilha e vítima de discriminação por ser o mais magro entre os lobos.
A Luta Pelas Audiências
Canais de televisão não perderam tempo. "O Lobo, Vilão ou Vítima?", era o tema de debates inflamados nas noites de sábado. Apresentadores chamavam especialistas para discutir a “psicologia dos lobos” e se os porquinhos estavam a agir de forma egoísta ao construir casas que excluíam outros animais.
"Porque os Porquinhos Não Construíram Casas de Acesso Universal?", questionava uma apresentadora, sugerindo que as casas deviam ser para todos, e não apenas para os porcos. Enquanto isso, reality shows como “A Casa dos Porcos: Convivência no Tijolo” mostravam um grupo de porquinhos a discutirem entre si sobre quem teria a melhor ideia de construir casas com tijolos.
O Papel dos Bloggers e Activistas
Os bloggers rapidamente juntaram-se à narrativa. Alguns defendiam os porquinhos como “heróis da classe trabalhadora” que lutaram por melhores condições de vida. Outros, no entanto, afirmavam que “os porquinhos eram elitistas” por construírem casas que só alguns podiam pagar. O movimento #CasasParaTodos ganhou força nas redes sociais. Activistas dos direitos dos animais lançaram campanhas em defesa do lobo. “O Lobo só estava com fome, e isso não é crime”, diziam. Criaram hashtags como #FomeNãoÉCrime e organizavam protestos virtuais exigindo a libertação do lobo, que, segundo alguns, estava apenas a seguir seus instintos naturais. "Os porquinhos, com suas casas robustas, estavam a contribuir para a marginalização dos lobos", argumentavam.
A Entrada das Marcas
Enquanto isso, empresas e marcas aproveitaram-se do escândalo. A Construtora Tijomax lançou uma campanha publicitária em grande escala. “Construa com Tijomax: O Tijolo que nem o Lobo Soprará”, dizia o slogan. A empresa patrocinava os programas de televisão que discutiam o incidente, garantindo que os tijolos fossem sempre vistos como os heróis da história. Outras empresas não ficaram para trás. A marca de cereais "Energia do Lobo" lançou uma campanha publicitária com o slogan: "Come como um lobo e não perdes o fôlego!", promovendo os cereais como a chave para começar o dia com a mesma força que o lobo usou para derrubar as casas de palha e madeira. Ao mesmo tempo, influencers nas redes sociais promoviam o estilo de vida sustentável dos porquinhos, com campanhas de alimentos orgânicos com slogans como “Coma Como um Porquinho: Saudável, Verde e Limpinho”.
O Crescimento dos Reality Shows
Os produtores de televisão estavam eufóricos. "Lobo vs. Porquinhos: O Grande Debate" era o programa mais assistido. Convidados de todas as áreas sociais discutiam as falhas na estratégia de construção dos porquinhos e a suposta agressividade do lobo. Especialistas afirmavam que, se o lobo tivesse acesso a uma dieta melhor, talvez não precisasse soprar as casas. Criaram também um novo reality show, “Sobreviva à Casa de Palha”, onde celebridades tentavam construir casas mais resistentes e competiam para ver quem conseguia resistir ao sopro de "lobos" escolhidos entre os espectadores.
Os Grupos e as Minorias
Entretanto, grupos de defesa das minorias questionavam: “Por que os porquinhos são sempre representados como animais brancos de pele rosada?” e “Onde estão os porquinhos pretos e castanhos?”. A narrativa de inclusão e diversidade expandiu-se rapidamente. Numa entrevista ao Jornal da Floresta, um professor universitário comentou: “A história dos três porquinhos perpetua uma visão eurocêntrica e branca da arquitetura rural. Precisamos de histórias mais inclusivas que representem todas as formas de construção e todos os porcos e porcas”.
No final, ninguém mais sabia exatamente o que tinha acontecido. O público estava dividido entre aqueles que apoiavam o lobo, outros que idolatravam os porquinhos, e um terceiro grupo que apenas assistia para ver quem ganharia mais likes. A verdade da história original desapareceu, engolida pelo espetáculo mediático e pelas distorções, manipulações e agendas de quem queria lucrar ou ganhar visibilidade com o caso.
Os três porquinhos, outrora unidos contra o lobo, agora disputavam entre si sobre quem tinha feito a melhor construção. O lobo, por sua vez, tornara-se uma celebridade, aparecendo em talk shows, onde partilhava a sua experiência e promovia um livro chamado "A Verdade que Nunca Foi Contada: Eu, o Lobo".
Moral da história: Quando as emoções tomam conta da verdade, as fábulas perdem-se no sopro das opiniões e dos likes.